Prog

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quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Módulo 1000

A trajetória do grupo se inicia em meados da década de 60, de forma não muito diferente da de tantos outros: garotos da zona sul carioca, amigos de colégio, com muita disposição e praticamente nenhum dinheiro no bolso. Após diversas experiências mal-sucedidas, Daniel C. Romani (guitarra) e Eduardo Leal (baixo) montaram o conjunto Código 20, já percorrendo, no final de 1968, o tradicional circuito de bailes dos clubes do Rio de Janeiro. Amigos de infância, há anos tocavam juntos, com várias formações e nomes: Os Quem, Brazilian Monkes (sic), Os Escorpiões, etc. “O Daniel disse que estava montando um conjunto com o Armando (bateria) e que estava precisando de um guitarrista base”, conta Eduardo. Autodidatas, vivendo a onda dos Beatles e dos Rolling Stones, eles economizavam até o último tostão para conseguirem alguns instrumentos. Recolhiam ferro-velho, fabricavam guitarras (ou algo vagamente similar, que acabava ganhando esse nome, na falta de outro melhor...) para vender, e tocavam de graça, porque, como defendia o Armando, “tocar era o grande lance”. Os resultados vinham chegando devagar, como atesta Daniel: “Era Armando na bateria, eu tocando solo, o Alemão na guitarra base, e o Eduardo já tocando baixo. Embora a gente não fosse grande coisa, não éramos fracos, chegamos a tocar nos melhores lugares por aqui em termos de baile. O grande lance dessa época era você tocar no Fluminense, Botafogo, em grandes domingueiras onde também tocavam uns grupos como Os Selvagens, por exemplo, que se jogavam no chão, pulavam nas mesas, as calças saint-tropez caíam, era uma loucura...”. Nessa altura dos acontecimentos, enquanto a trajetória da banda ia evoluindo a pequenos passos, surge em cena um novo integrante, que daria uma grande guinada profissional no jovem conjunto, abrindo diversas portas e tornando possível tudo o que aconteceu depois.

Paulo Cezar Willcox era um jazzista por excelência, e um grande vibrafonista, mas parecia ter chegado um pouco tarde à cena musical brasileira. Depois do boom de bossa-nova instrumental de meados da década de 60, esse som já estava começando a ficar por demais saturado, e ele resolveu tentar a sorte no crescente e promissor mercado do rock’n’roll. Juntou-se ao Código 20 pouco antes de um concurso de bandas amadoras da TV Globo, que oferecia como prêmio quatro apresentações no programa do Paulo Silvino, além de toda uma nova aparelhagem e instrumentos musicais, coisa que o grupo precisava urgentemente. Integrado ao conjunto, “Zé Bola”, como era chamado, logo se colocou em posição de destaque, introduzindo grandes doses de profissionalismo e planejando a performance do grupo na grande final. Devidamente caracterizados de terninhos, para horror da maioria dos rapazes (que não usavam paletó nem em casamentos), eles apresentariam “There’s a Kind of Rush” dos Herman’s Hermits, seguido de “Tequila”, aquele clássico instrumental cucaracha dos Champs, que tinha o título cantado em uníssono ao fim de cada frase. Na apresentação final, no programa do Chacrinha, Willcox tocou o vibrafone de maneira feroz, saiu em seguida do palco e voltou empurrando dois enormes tímpanos de orquestra, atacando-os em duelo furioso com a bateria. Isso causou um grande furor no público e nos jurados, e fez o grupo afinal levar o primeiro prêmio dentre, literalmente, milhares de jovens bandas concorrentes.

Logo após a entrada de Willcox, o baterista Candinho (Cândido Souza Farias), já com alguma experiência e também versado no idioma do jazz, também havia se juntado à banda. “Na realidade, o Willcox e o Candinho na época entraram praticamente juntos”, recorda Daniel. “O Willcox chegou pra mim e falou que com o Armando não dava, não tinha jeito. Eu argumentei que montei tudo com ele, desde o começo, mas ele insistia em trazer o Candinho. O Armando ficou muito aborrecido, mas o Willcox tinha conhecimentos, ia abrir algumas portas para a gente. Na realidade eles não entraram só porque nós éramos bacanas... No fundo eles viam a banda mais como uma oportunidade de faturar um troco. Nós éramos músicos tecnicamente e teoricamente mais fracos frente ao nível deles, então tínhamos que ralar muito para conseguir acompanhá-los”. E essa foi a época em que todos começaram a deixar o amadorismo para trás e a efetivamente amadurecer como músicos.

No começo de 1969, o conjunto conseguiu um contrato na boate Catraka de São Paulo. Egresso da bossa nova (mais especificamente do grupo Agora-4), o tecladista Luiz Paulo Simas se juntou à banda nessa ocasião: “O grupo precisava de um organista para cumprir um contrato longo numa boate em São Paulo. Me contrataram, pois eu tinha um órgão Eletrocord, e eu larguei o segundo ano da faculdade de arquitetura no Fundão (N.R.: UFRJ) para ir com eles para São Paulo. Era um bom salário, e uma boa desculpa para largar a faculdade”. Assim, com Willcox no vibrafone, Daniel na guitarra, Luiz Paulo Simas no órgão, Eduardo no baixo e Candinho na bateria, surgiu a primeira formação do Módulo 1000, nome inspirado pelos módulos lunares americanos e soviéticos, muito em voga naquela época de corrida espacial.

Na temporada na Catraka, o Módulo 1000 tocava o repertório de clássicos da época, como Beatles, Stones, Hair e Hendrix. Mirna, irmã de Daniel, participou por um tempo, adicionando uma voz feminina, mais comercial e acessível, ao gosto de Willcox. Entretanto, os objetivos dele e do resto do grupo estavam começando a se distanciar. “A Catraka era uma casa muito grande, e a gente morava no andar superior; só dormia, ensaiava e tocava o dia inteiro. Foi aí, nesses ensaios, que a gente começou o nosso complô”, lembra Daniel. “O Willcox percebia que nessas horas extras fora do trabalho, nós quatro fazíamos um esquema paralelo de jam sessions para anotar algumas coisas, gravar outras. Ele notava que a gente estava sempre querendo dar uma guinada para esse lado, mas não houve uma briga, nós nunca discutimos. Ele mesmo foi percebendo que aquele som não abrigava mais o vibrafone ou a contrariedade dele... A gente queria sair daquele esquema de show-baile, queria fazer uma banda de rock progressivo, isso nunca saiu da nossa cabeça”. Antes de se despedir do grupo, Willcox ainda deu uma mão no V Festival de MPB da Record, em novembro de 1969. Para se vingar dos odiados ternos impostos em “Tequila” no ano anterior, um figurino “tropicalista” típico – totalmente esculachado – foi escolhido a dedo para o desconforto de Willcox.

“O Módulo 1000 foi aquela banda que falou: ‘não quero tocar mais nada de ninguém’”, afirma Daniel. Os quatro músicos começaram 1970 dispostos a tudo. Não que não houvesse exceções – dentro de um certo contexto, poderia ainda rolar algo como “Communication Breakdown” (do Led Zeppelin) ou “Sweet Leaf” (do Black Sabbath), por exemplo – mas a meta agora era vencer nos próprios termos, definitivamente. Permanecendo mais tempo em São Paulo, onde o circuito de shows oferecia mais oportunidades, os espaços foram sendo pacientemente conquistados. Os shows-baile de quatro horas foram reduzidos para quarenta minutos. “Conseguimos um contrato para tocar em Praia Grande, no Clube Siri. Tocávamos para dançar no clube todas as noites – sete vezes por semana! – para um salão sempre lotado de jovens que nos adoravam. Quando chegava a época de temporada só dava a gente no clube”, relembram Eduardo e Luiz Paulo, sobre o clube onde ainda iriam se apresentar por mais dois anos. Daniel também tem boas recordações desse período: “O Módulo 1000 já tinha uma aceitação; não era um som de parada de sucesso, mas o pessoal vinha ver. As pessoas gravavam, pediam, conheciam já as músicas pelo nome, até cantavam junto em latim! Todo lugar que a gente ia, havia comitivas de carro acompanhando a gente”.

As convicções podiam ser fortes quanto ao direcionamento musical, mas a meta também era gravar, afinal de contas. Através de um contato com a dupla de compositores Sérgio Fayne e Vítor Martins (posteriormente parceiro de Ivan Lins), o grupo conseguiu uma audição na Odeon, que estava abrindo espaço em seu cast para grupos alternativos. Seguindo o conselho da dupla, o conjunto apresentou um material bem mais acessível, com influências de MPB e sonoridades mais leves, o que deu resultado, agradando aos produtores. Seis faixas foram lançadas ao todo pela Odeon. Apesar de reconhecer que o esforço era legítimo para chegarem a um LP exclusivo pela gravadora, Daniel não guarda muita afeição por essas faixas: “Nós fizemos todas essas músicas, que eu não gostava na época e continuo não gostando, não refletiam o nosso som. Naquela época a gente não fazia nada daquilo. Mas os caras (Odeon) acharam interessantes as faixas anteriores, e aí já dava para fazer uma coisa diferente, que já me agradou mais, era o som que eu estava a fim de fazer. Compus algo numa veia mais Led Zeppelin, naquele balanço. Eu pedia ao Candinho: ‘Eu quero esta batida tipo John Bonham’, no que ele respondia: ‘Foda-se, vou fazer a minha’. A gente brigava muito, eu dizia que tinha que ser mais rock, ele dizia que ia dar um rufo de jazz, e aí ficava totalmente diferente...”. A composição em questão se chamava “Ferrugem e Fuligem”, e foi lançada na ótima compilação “Posições” da Odeon, junto com a faixa “Curtíssima” (que era realmente muito curta...). Junto ao Módulo 1000 dividindo o LP, havia um time de respeito, contando com os grupos Som Imaginário, Tribo e Equipe Mercado. Destes, apenas o Som Imaginário conseguiria efetivamente lançar LPs (três) pela gravadora.

O período na Odeon também possibilitou a participação no V Festival Internacional da Canção, em outubro de 1970. Eles defenderam a música “Cafusa” (de Fayne e Martins) na fase nacional, onde também participava O Terço com seu “Tributo ao Sorriso” (classificada em nono lugar). Eduardo lembra da importância do evento: “Conseguimos um contrato com a Odeon e de lá fomos classificados para a final do FIC, que ia acontecer no Maracanãzinho. Foi quando voltamos para o Rio com outro status, mais perto dos deuses. Foi nesta volta que começamos a compor de fato”. Ensaiando 8 horas por dia, sete dias por semana, antes do final do ano o Módulo 1000 já tocava todas as faixas que comporiam seu futuro LP de estréia. Basicamente o material era de Daniel e Luiz Paulo, com Eduardo e Candinho participando dos arranjos. Por causa da letra em latim de “Turpe Est Sine Crine Caput”, em um show em Juiz de Fora os federais do DOPS subiram no palco, desligaram tudo, e convocaram os músicos para explicar a “terrível letra cifrada e subversiva”. Na realidade se tratava apenas de “É um fato, é um fato, é horrível uma cabeça sem cabelos...”.

De novo baseado no Rio, o grupo trabalhava com o empresário Marinaldo Guimarães, um personagem típico da época, preocupado sempre em fazer o público pensar. O espetáculo “Aberto para Obras” pode ter representado o auge de suas proposições estéticas. Montado no Teatro de Arena do Largo da Carioca, o público entrava por estreitos corredores e se via separado dos palcos por cercas de arame farpado. Descobrindo finalmente como chegar a seus lugares, tinham que escolher entre olhar para baixo, onde estava o Módulo 1000, ou para cima, onde se encontrava O Terço. Abaixo havia também uma mulher preparando pipoca em um fogão e mais adiante, sentado em um vaso sanitário, o irmão de Jorge Amiden (d’O Terço) empunhando estático um violão por três horas seguidas, apenas para arrebentá-lo no final de tudo. No meio da platéia, diversos pintores, entre eles Wander Borges, que faria a capa do LP da banda. “Entre os shows que fizemos no Rio”, recorda Luiz Paulo, “me lembro bem do Teatro da Praia, com o ‘leão da Metro’ projetado nas cortinas antes de se abrirem, manequins espalhados pela platéia e eu estreando com o primeiro sintetizador no Rio (talvez no Brasil?) – meu Synthi A da fábrica EMS inglesa. O nosso empresário era muito chegado a ‘happenings’, avant-garde e afins, e sempre nos dava força quando a coisa ia para esse lado”. O grupo também experimentava na busca de novos sons, criando o “mandum”, sua versão da talk-box (voice bag).

Foi nesse momento que apareceu o convite de Ademir Lemos para a gravação de um LP pela Top Tape, em 1971. O grande problema era que o estúdio só estaria disponível se o registro fosse feito imediatamente, e o grupo estava em um momento de transição entre o material do ano anterior e uma nova fase do repertório. Todavia, o novo material não estava ainda suficientemente polido, enquanto que aquelas músicas de 1970 já estavam mais que acertadas. Para não deixar a oportunidade escapar, a solução foi gravar aquele repertório que já se encontrava bastante defasado, e nem era mais tocado ao vivo.

No modesto estúdio da Musidisc os técnicos de som não viam com bons olhos as experimentações do conjunto. As caixas Leslie do órgão, os ecos, a colocação do amplificador no banheiro (onde mais conseguir aquela sonoridade? Até o Deep Purple fazia essas coisas...), guitarras gravadas ao contrário, tudo era uma dor-de-cabeça para Valter, o técnico chefe. O estúdio ficava à disposição do grupo, e apesar dos técnicos, desacostumados com aquela loucura toda, acharem os resultados horríveis e “sujos”, a cervejinha sempre acabava distraindo suas atenções, e o disco foi assim finalizado. A caríssima capa tripla, com ilustrações psicodélicas de Wander Borges, parece ter sido inspirada na faixa de Daniel que dava nome ao disco: “As paredes eram os obstáculos que as pessoas tinham para emitir seu ponto-de-vista político, sexual, de gostos. As paredes sempre existiram dentro da nossa própria casa... Eu não era um cara político mas na época os caras sempre enchiam o teu saco”. O jornal Rolling Stone, em sua edição nacional de número 4 (de 21 de janeiro de 1972) trazia um anúncio de página inteira: “Nosso som é o som do mundo, para ser sacado e curtido” – Módulo 1000, com a foto do quarteto e a capa do disco, trazendo apenas o nome da banda, do disco e do produtor Ademir.

O resultado final dessas conturbadas sessões, o LP “Não Fale Com Paredes”, não teve, como já seria de se imaginar, uma recepção das mais calorosas. Nessa altura dos acontecimentos, Zezinho, o diretor da gravadora carioca Top Tape, já estava de certa forma arrependido de ter dado carta branca a Ademir Lemos – também conhecido nos bailes como DJ Ademir – então em alta na Top Tape (com o sucesso dos seus LPs de discotecagem “da pesada”). Na ocasião em que foi aberta a brecha para o Ademir produzir alguns discos, o disc jóquei logo lembrara dos amigos do Módulo 1000, que já tinham feito vários bailes com ele. Ele indicou a banda, se responsabilizou pela sua qualidade e produziu ele mesmo o LP. Quando Zezinho finalmente ouviu o trabalho, o LP já estava prensado e pronto para ir para as lojas. Ele sabia que rock brasileiro já não dava muito dinheiro, ainda mais... Aquilo!

Os quatro músicos do Módulo 1000 tinham tido muita sorte de ter conseguido em pleno 1971 – mesmo que numa gravadora pequena – aquela produção toda para um LP. Ainda que o estúdio da Musidisc fosse modesto e os técnicos de som despreparados para todas aquelas novidades, Ademir tinha dado total liberdade para eles gravarem o que quisessem. Quando foram afinal conversar com o diretor, já sabiam de antemão que ele estava irritadíssimo com o disco. Chegando a seu escritório, ele foi direto ao assunto: “Esse disco é uma merda!”. O que ele não esperava era a resposta do Daniel: “Então você vai ter que comer esta merda toda, porque você foi um cara omisso, não apareceu nas gravações para ver que banda era essa que você estava bancando, então vai se foder”. Isso não ajudou realmente a situação do grupo na gravadora, mas de qualquer forma o disco acabou indo para as lojas. Afinal de contas, o pessoal sabia que seria virtualmente impossível outra gravadora aceitar aquilo que eles faziam, sem nenhuma restrição.

Analisando-se o contexto musical da época sob perspectiva, o diretor da Top Tape tinha lá suas razões para não ter gostado do trabalho. Comercialmente falando, o disco era um suicídio. Se nem mesmo a exposição semanal no programa “Som Livre Exportação” da TV Globo garantia muito retorno aos Mutantes e O Terço, conjuntos de ponta da época, o que esperar então da hard psicodelia “pauleira” do Módulo 1000, influenciado por Black Sabbath e Led Zeppelin, e ainda por cima com letras em latim??? Esse som praticamente inexistia no país. O pouquíssimo espaço que se dava ao rock era para as bandas estrangeiras, e era um sacrifício tomar conhecimento de shows e lançamentos de rock nacional, apesar da boa vontade da Rolling Stone brasileira (de curta vida nesses solos áridos). Desde os anos sessenta, a sobrevivência estava em tocar material alheio em bailes, ou conseguir trabalho com algum artista de sucesso, como A Bolha (companheiros de Top Tape e “concorrentes” diretos do Módulo 1000, pois seus empresários não se bicavam muito...) viria a fazer mais tarde, tocando com Erasmo Carlos.

O desentendimento com a direção da gravadora não impediu, contudo, que o grupo lançasse outro compacto pela Top Tape. Naquela década, uma grande fonte de renda desses selos eram os artistas brasileiros, sob pseudônimos e gravando em inglês (os Mark Davies da vida...). Daniel lembra com dificuldade dos detalhes: “Alguém chegou e falou que tinha tantas horas de estúdio, se a gente não queria fazer alguma coisa com um nome diferente, tipo Love Machine. A nossa reação não foi eufórica, principalmente porque a remuneração não era nada de fantástico. Talvez a gente tenha feito isso porque o Ademir era nosso amigo, arrumou um disco pra gente, e o Zezinho talvez ficasse mais feliz se a gente gravasse umas músicas bacanas em inglês. O lado A, ‘Cancer Stick’, era quase um rap, eu falando com voz encorpada sobre os malefícios do cigarro, e o Ademir tossindo ao fundo. ‘Waitin’ For Tomorrow’ foi composta na véspera e rapidamente finalizada no estúdio”.

Sobre o trabalho do grupo ainda em 1972, prossegue Daniel: “Na verdade, o novo material era completamente diferente do LP, tinha uma preocupação de não se repetir. Tinha ‘Lages Cadaverinas’, ‘Sete Quartos’ (uma música, adivinhem só, em andamento 7/4!), ‘Licor de Rabanete’, ‘Olhar Estéril’, ‘Nua’. A gente explorava mais os compassos quebrados, fazendo um diálogo maior de riffs que não existia antes. Além da guitarra, já havia um sintetizador, e um órgão Farfisa. Sonoramente o conceito mudou, mudamos todo o estilo – tinha muita coisa aleatória e muita coisa marcada, com um punch que faltava antes. Já fazíamos até a utilização de cavaquinho e bandolim, num contexto bem diferente”. Essa nova fase também foi marcante para Eduardo: “Estávamos começando um show no Teatro da Praia, em Copacabana, quando arrebentou minha corda bordão do contrabaixo. Tentei emendar, tentei tocar sem usar o bordão, não consegui. O Candinho me falou: ‘Cara, acho que você precisa de um choque para ver se muda’. Ele tinha toda a razão! A partir daí comecei a compor igual a um doido. Essa nova fase do Módulo 1000, que não ficou registrada, foi muito importante para mim, pois fiquei seguro da minha capacidade e criatividade. Se não me engano, o Daniel ou o Luiz Paulo, um dos dois fez um comentário, logo depois de um show, de que a melhor música do Módulo dessa fase havia sido criada por mim!”.

Apesar da falta de perspectivas de um segundo disco, diversos shows e eventos ainda impulsionavam a banda. Em 1972 foram convidados pelo Governo para reinaugurar a concha acústica de Brasília. Com nada menos que 46 caixas de som conectadas ao PA, dava pra se ouvir o estrondo a 3km de distância. No ano seguinte o grupo participaria do terceiro festival ao ar livre do Brasil, o “Transa-Som-Folk-Rock-Pop no Sertão”, no Vale do Jequitinhonha, ao lado de DJ Ademir, Rui Maurity, Jorge Mello e Serguei. “Um acontecimento absolutamente surrealista, num lugar absolutamente surrealista também”, nas palavras de Luiz Paulo, “Tudo armado pelo filho de um fazendeiro da região. A população local nunca tinha visto cabeludos, nunca tinha ouvido rock. Foi um susto!”.

Em meados de 73, a história do Módulo 1000 chega a seu capítulo final. “Acho que foi por falta de perspectivas e de dinheiro. Ninguém brigou, realmente”, ressalva Luiz Paulo. Aquele mesmo ano ficaria marcado como o início de uma espécie de boom no rock brasileiro. Gradualmente, foi se tornando (relativamente) mais fácil lançar e divulgar um disco. A recém-lançada revista Pop já ocupava o lugar da finada Rolling Stone, e, no Rio de Janeiro, entrava no ar a histórica rádio Eldopop FM, que mudaria diversos conceitos e implementaria novos padrões musicais na cabeça de muita gente. Apesar disso, todos aqueles anos de luta tinham desgastado bastante o grupo. Nas palavras de Daniel: “A expectativa era lançar um segundo disco, mas o clima já não era o mesmo. A última coisa que eu me lembro dos últimos dias da banda foi após um festival de inverno em Juiz de Fora. A gente veio conversando, eu e o Luiz Paulo, das razões pessoais que nos levaram a um certo desgaste. Marcamos uma reunião, se não me engano no Alto da Boa Vista, e concordamos que a banda deveria realmente acabar. Cada um ia seguir o seu caminho... O Luiz Paulo, por exemplo, já estava entrando em contato com o Lulu Santos, do Veludo Elétrico, para montar outra banda”.

E foi o que realmente veio a acontecer. Depois do final do Módulo 1000, Luiz Paulo e Candinho se juntaram a Fernando Gama (baixo), ex-Veludo Elétrico, e formaram o mitológico Vímana. Pouco depois Lulu Santos (guitarra) completou a formação que participou dos festivais Banana Progressiva e Hollywood Rock, em 1975. Quando o grupo lançou em 1977 um compacto pela Som Livre, “Zebra”, Candinho já havia sido substituído por Lobão, e Ritchie Court havia assumido a flauta e vocais. Esse foi o único trabalho da banda publicado (de fato, um LP inteiro foi efetivamente registrado, para jamais chegar a ser lançado). O Vímana acabaria por se separar no ano seguinte, com seus meses finais sendo dedicados a uma parceria com o tecladista Patrick Moraz (N.E.: ex-Yes) que acabou não se concretizando, restando apenas algumas poucas faixas gravadas em estúdio e abandonadas. Tempos depois, Ritchie ainda proporia uma parceria a Daniel, mostrando-lhe seu novo trabalho, bem mais direto e focado para o mercado. Entretanto, apesar de todo o óbvio potencial comercial daquelas canções, “Menina Veneno” estava um pouco distante demais dos objetivos de Daniel... Luiz Paulo, por sua vez, passou a criar trilhas e jingles para filmes e TV (curiosamente, ele é o criador do famoso “plim-plim” da Globo), participando também de turnês e gravações de vários artistas. Em uma única ocasião se reuniu novamente a Daniel e Candinho, em um dos seis dias de show no Planetário carioca. Entre outros convidados, participaram também do evento Sérgio Dias, Cláudio Nucci, Marçalzinho e Liminha. Em 1989 mudou-se definitivamente para Nova York, onde, fiel às suas raízes musicais, se dedicou aos ritmos brasileiros, já tendo lançado alguns CDs. Em 2007 lançou nos EUA e no Brasil o CD “Cafuné”. Seu trabalho atual pode ser conferido em seu site, http://www.luizsimas.com. Candinho, possivelmente inspirado por Luiz Paulo, também migrou para os Estados Unidos, e no momento reside na Flórida, trabalhando com artesanato e ainda tocando bateria. Eduardo se mudou para Brasília e atualmente dedica parte de seu tempo à atividade de músico (agora nos teclados) e compositor, tendo dois CDs na linha new age já lançados, além de composições próprias gravadas por artistas da cena local. No momento desenvolve seu novo trabalho, chamado “Ópera Leiga do Cerrado”. Daniel acabou se voltando para o trabalho de músico de estúdio, dedicando-se também a dar aulas de guitarra e consultorias sobre o instrumento. Há mais de dez anos trabalha continuamente no projeto “Four Walls”, que reflete seu desenvolvimento como músico nas últimas três décadas, bem como seu interesse pela música progressiva e étnica. Por fim, Paulo César Willcox, após deixar o grupo, trabalhou como músico de estúdio e arranjador durante o restante dos anos setenta, muito respeitado entre seus pares, vindo a falecer de um ataque cardíaco ao final daquela década.

Nos dias de hoje, para a surpresa dos próprios músicos, que consideravam o disco praticamente enterrado, “Não Fale Com Paredes” continua despertando interesse de colecionadores e fãs do mundo todo. Diversas páginas na Internet colecionam apreciações apaixonadas sobre a banda, sempre elevando o álbum à categoria de “obra-prima” do hard-prog-psych brasileiro. Recentes reedições em CD e em LP (nem sempre oficiais, mas com razoável qualidade de gravação e apresentação, reproduzindo fielmente todo o trabalho gráfico e a capa tripla, como a edição em vinil e CD do selo alemão “World in Sound”) tornaram o trabalho do Módulo 1000 novamente acessível em maior escala. Edições originais do LP, entretanto, continuam sendo avidamente cobiçadas em todo o mundo. Distribuídas em catálogos de revendedores especializados e em sites de leilões virtuais, atingem facilmente o preço de algumas centenas de dólares. Todos esses fatores reunidos ajudam a manter brilhante ainda hoje a aura do Módulo 1000, que mesmo não tendo sido responsável pela criação de nenhum estilo musical propriamente dito, foi um dos honrosos pioneiros na introdução do rock progressivo em terras brasileiras. Ipso facto!


Links:

1970 - Não Fale com Paredes

Um comentário:

  1. Bela lembrança dessa ótima banda,infelizmente vivemos num pais que é virado de cabeça pra baixo, no topo estão os que jamais deveriam sair da base,e quem mereçe aplausos de verdade ou cai no esquecimento ou cai na onda corriqueira de bandinhas de axé,pagode,rap,funk(esse)não o outro derivado do soul,teem músic (NX Zero,Restart,...) sendo obrigados por vezes tocar com músicos de qualidade duvidosa pra garantir o leite das crianças.Eu vi o Módulo 1000,Paulo,Claudio e Maurício no circo Fu Manchu qdo tinha uns 16 anos,na porta o Big Boy entrevistava a galera.Mas hoje só tenho a lamentar musicalmente o pais em que vivo.Ainda bem que tem gente como vc espalhada por aí,segurando a máscara de oxigênio.Tenho um grupo que formei ontem no Windows Live Messenger,chama-se Música experimental,etc..faz uma busca será mto bem vindo por hora só tem eu,traga seus amigos.

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